Testando as balas e os MDs – Portas da Percepção!

Em diversos textos aqui do Portas da Percepção foram identificados graves efeitos deletérios do regime proibicionista e, logo, do mercado desregulado de drogas. Um destes é a adulteração de substâncias tornadas ilícitas, decorrente da ausência de controle sanitário destas substâncias. Esta situação gera inúmeros riscos à saúde dos usuários, muitos dos quais superiores aos identificados nas substâncias que planejavam utilizar. Outrossim, caso o usuário necessite de atendimento médico de emergência, o desconhecimento da droga utilizada (ou da interação farmacológica, quando há uso de múltiplas drogas), dificulta gravemente o atendimento. A adulteração tem gerado enorme impacto, por exemplo, na expectativa de consumo de duas conhecidas substâncias semissintéticas: a dietilamida de ácido lisérgico (LSD) e o metilenodioximetanfetamina (MDMA). O animado usuário, ao adquirir seu ecstasy/bala ou MD, por exemplo, pode usar inadvertidamente o MDA, o MDE, a metilona, a butilona, o PMA, o PMMA, o PCP, a anfetamina, a metanfetamina, a ketamina, a sibutramina, a cafeína, a efedrina, a benzilpiperazina (BZP), o 2CB, etc. A lista é extensa. Em levantamento, realizado entre 2011 e 2012, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo, em parceria com a Fapesp, demonstrou, por meio de cromatografia gasosa e espectrometria de massa (GC-MS), que apenas 44,7% dos comprimidos de ecstasy apreendidos continham MDMA (MORRIS, 2012; TOGNI e outros, 2014). Neste estudo, os maiores adulterantes foram a metanfetamina, em 22% das amostras de ecstasy, e a cafeína (TOGNI e outros, 2014).

por Fernando Beserra

Mas, diante deste fenômeno, quando se opta em realizar o consumo de balas ou MDs qual a forma de minimizar os riscos? Há de ser observar que a apresentação, a forma, o logotipo, o odor ou o sabor não permitem identificar a composição de um produto. De acordo com Martins, Valente e Pires (2015, p.646): “Nesse contexto, a disponibilização de um serviço de análise de substâncias psicoativas ilícitas – Drug Checking – impõe-se como uma estratégia crucial de redução de riscos e minimização de danos”.

A redução de danos e riscos é extensa. Aqui o foco será no aspecto “substância”. No que concerne a análise das substâncias, existem algumas formas gerais de testagem de drogas. Algumas mais simples, como os reagentes colorimétricos e outras mais complexas, como os diferentes tipos de cromatografia. Os testes colorimétricos são reagentes que podem ser pingados na substância e que permitem identificar a ausência ou presença de uma determinada substância. Desta forma, o uso de testes colorimétricos pode ser identificado, na prática, como uma ação de minimização dos riscos e de redução de danos, seja praticada pelo próprio usuário, seja praticada por um redutor de danos. O uso dos testes é, aparentemente, simples e não requer grandes conhecimentos técnicos, motivo que tem levado à sua popularização.

Na prática, não é tão simples. Existem muitos reagentes que podem ser utilizados para diferentes substâncias e pode ser necessário usar mais de um teste para conseguir um resultado razoavelmente preciso. Ainda assim, os reagentes não identificam a pureza da substância; tampouco sua composição, isto é, um reagente pode identificar se há ou não MDxx na bala, mas não pode dizer se, em conjunto com o MDxx, há um ou mais adulterantes. A título de informação, quando é escrito: MDx ou MDxx é sinalizado que se trata de uma metilenodioxi, no entanto, não há possibilidade de dizer se é o famoso MDMA (metilenodioximetanfetamina) ou outro composto como o MDA, MDE, etc.

Após estas palavras iniciais, vamos a testagem das balas e MDs. O primeiro reagente que se pensa quando se pretende testar as balas é o Marquis. O Marquis, por conseguinte, é um reagente primário para identificação de MD e é composto por ácido sulfúrico concentrado e formaldeído a 40%. Por vezes usa-se metanol com fins de desacelerar a reação com as substâncias, de forma a facilitar a identificação das mesmas (APB, 2016). Por esta composição pode-se identificar que o reagente é tóxico, por inalação, ingestão e contato com a pele (NIJ, 2010) e deve ser operado com bastante cuidado. O formaldeído pode causar câncer; dano genético herdado; além de queimadura em contato com a pele. O Marquis é um reagente que possibilita a identificação de substâncias contendo alcaloides, incluindo os opiáceos e as fenetilaminas (APB, 2016). O MDMA, particularmente, fica preto arroxeado na interação com o Marquis. No debate sobre os reagentes colorimétricos pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA (2010), pode-se ver no quadro abaixo algumas dar interações do Marquis:

Analyte

Solvente

Color

Aspirin

Em pó

Vermelho escuro

Benzafetamina HCl

CHCl3

Marrom avermelhado escuro

Cloropromazina HCl

CHCl3

Vermelho purpúreo escuro

Codeine

CHCl3

Roxo muito escuro

d-Anfetamina HCl

CHCl3

Forte laranja avermelhado ou marrom escuro avermelhado

d-Metanfetamina HCl*

CHCl3

Laranja avermelhado escuro ou marrom avermelhado escuro

Diacetilmorfina HCl* (heroína)

CHCl3

Vermelho purpúreo escuro

Dimetoxi-meth HCl

CHCl3

Verde-oliva moderado

Doxepina HCl

CHCl3

Vermelho escuro

Dristan

Em pó

Vermelho acinzentado escuro

Exedrin

Em pó

Vermelho escuro

LSD

CHCl3

Preto esverdeado

Mace Cloroacetofenona

Cristal

Amarelo moderado

MDA HCl

CHCl3

Preto

Meferidina HCl

CHCl3

Marrom escuro

Mescaline HCl*

CHCl3

Forte laranja

Metadona HCl

CHCl3

Leve rosa amarelado

Metilfenidato HCl

CHCl3

Amarelo/Laranja moderado

Morfina monohidrato

CHCl3

Roxo avermelhado muito escuro

Ópio

Em pó

Cinza avermelhado escuro ou marrom

Oxicodona HCl

CHCl3

Violeta pálido

Propoxifeno HCl

CHCl3

Roxo escuro

Açúcar

Cristal

Marrom escuro

Quadro: NIJ, 2010. Tradução (quadro reduzido): Fernando Beserra.

Infelizmente, as adulterações são mais comuns do que se imagina. Uma cor muito presente dentre as adulterações do “Ecstasy”, ao se utilizar o Marquis, é o amarelo – que pode indicar os chamados bath salts, isto é, substâncias como a metilona e a butilona. O Marquis, isoladamente, como foi dito, não é capaz de identificar definitivamente se a bala ou MD contêm o MDMA. Mesmo quando a cor é o preto/arroxeado, que indica MDMA, a mesma cor também indica MDA, MDE, DXM ou MBDB. Desta forma, uma das maneiras de separar entre MDMA e MDA e MDPV é utilizar os reagentes secundários Simon´s A e Simon´s B, que separam, pelas cores, estas substâncias. O Simon´s é composto por nitroprussiato de sódio, água destilada e acetaldeído. Outro reagente que pode servir como secundário, neste caso, é o Folin´s que além de separar o MDMA do MDA e do MDE, também permite identificar piperazinas como o BZP (APB, 2016). Ao utilizar mais de um reagente reduz-se a chance de erros na testagem.

Quando é encontrado resultado negativo para MD, outros testes são aconselhados para uma hipótese mais acurada das possíveis substâncias da bala ou MD. Um destes testes é o Mandelin, composto por metavanadato de amônio e ácido sulfúrico concentrado (APB, 2016).

Embora não tenha validade no Brasil, cabe acrescentar, para fins de debate, algumas informações que o Instituto Nacional de Justiça dos EUA acredita fundamentais aos testadores:

1. Uma declaração de que o kit se destina a ser utilizado apenas para fins de identificação presuntiva e que todas as substâncias testadas devem ser submetidas a um exame mais definitivo por cientistas qualificados num laboratório de criminalidade devidamente equipado;

2. Uma declaração de que os utilizadores do kit devem receber formação adequada sobre a sua utilização e deve ser ensinado que os reagentes podem dar resultados falso-positivos, bem como resultados falso-negativos;

3. Uma discussão sobre a possibilidade de contaminação de reagentes e / ou amostras e consequentes resultados enganosos;

4. Uma discussão sobre o armazenamento adequado de kits em edifícios e veículos.

Desta forma, o uso dos reagentes não é tão simples quanto inicialmente poderia parecer e requer alguns conhecimentos.

Por fim, mesmo em técnicas mais elaboradas como a cromatografia, os reagentes colorimétricos são utilizados para se ter a primeira ideia acerca das substâncias presentes, na medida em que os reagentes são um método mais simples e barato.

REFERÊNCIAS:

APB (Associação Psicodélica do Brasil). Testagem de substâncias psicotrópicas: guia prático de campo. Compilado por Julia Castro. Rio de Janeiro, 2016.

ENERGY CONTROL. Site. Disponível em: <http://energycontrol.org/>.

MORRIS, K. Ecstasy consumido em São Paulo não é ecstasy. Folha de São Paulo. 2012. Disponível em: <http://coletivodar.org/ecstasy-consumido-em-sao-paulo-nao-e-ecstasy/>.

MARTINS, D.; VALENTE, H.; PIRES, C. CHECK!NG: A última fronteira para a Redução de Riscos em contextos festivos. Saúde Soc. São Paulo, v.24, n.2, p.646-660, 2015.

NATIONAL INSTITUTE OF JUSTICE (NIJ). Color test reagents/kits for preliminary identification of drugs of abuse: NIJ standard–0604.01. 2010.

TEDI (Trans European Drug Information). Guidelines for drug checking methodology. s/l: s/e, 2012.

Vídeos interessantes sobre o tema:

LOGAN, B. Testes reagentes para LSD e ecstasy. 9#. RD com Logan. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HHcwfYhzX5Y>.

Psyched substance. Testing MDMA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8qOb027foUI>.

BESERRA, F. R. Psicodélicos e redução de danos. tvhempadão. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LO4XiRYlgVg

Mais no Portas da Percepção sobre o assunto:

BESERRA, F. R. MDMA e redução de danos. Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/mdma-e-reducao-de-danos/>.

BESERRA, F. R. Redução de danos em contexto de festas. Hempadão. 2016. Disponível em: <https://goofy-sanderson.104-207-151-122.plesk.page/reduo-de-danos-em-contexto-de-festas/>.






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