Osmar Terra defende fechar Anvisa se plantio de cannabis for aprovado

Ministro abraça canabidiol sintético para minar ideia de cultivo; afirma que presidente da Anvisa ‘é pró-droga’

O ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB), defende fechar a Anvisa caso o órgão aprove regras sobre plantio de cannabis no Brasil para produção de medicamentos. “Pode ter ação judicial. Pode até acabar a Anvisa. A agência está enfrentando o governo. É um órgão do governo enfrentando o governo. Não tem sentido”, afirma em entrevista exclusiva ao JOTA.

por Mateus Vargas
no Jota

O debate sobre medicamentos à base de cannabis, diz o ministro, é fachada para um plano de liberação do uso recreativo de todas as drogas. “Os caras que querem liberar a maconha se escondem atrás do desespero das mães de pacientes”, diz

O presidente da Anvisa, William Dib, “está completamente comprometido com a causa da liberação”, segundo Terra. O mesmo objetivo teria a indústria que se apresenta como interessada na produção de terapias com canabinóides, completa.

Para minar a proposta da agência, o ministro da Cidadania defende uso de medicamento com canabidiol sintético, que está em desenvolvimento pela farmacêutica brasileira Prati-Donaduzzi.

A empresa já esteve com o ministro da Cidadania e representantes do Ministério da Saúde, que estuda pedir priorização da análise do registro do fármaco sintético. Terra nega estar advogando pela farmacêutica.

“Qualquer empresa que estiver desenvolvendo o sintético vai ter apoio. Acho pior o governo estar advogando pela liberação da maconha. Que interesses estão por trás da liberação da maconha? A dependência cria um cliente eterno”, avalia o ministro.

Além de eliminar a necessidade do plantio, o medicamento sintético não contém THC, substância apontada por Terra como maléfica. Para parte dos especialistas, porém, é justamente a interação de substâncias como THC e canabidiol que traz benefícios aos pacientes.

O único produto à base de cannabis registrado na Anvisa, o Mevatyl, possui THC e canabidiol. Para Terra, o medicamento deve ser retirado do mercado assim que a alternativa sintética for aprovada. “Tem de estar puro o canabidiol. Quando estiver com THC, é a droga que causa dependência”, defende o ministro.

Outros países, como Estados Unidos, Israel e Canadá autorizaram o uso do Mevatyl. “Estão errados”, responde Terra.

O ministro garante que ele e o presidente Jair Bolsonaro compartilham a mesma opinião sobre o tema. Diz também que não há distorção no debate por uma visão pessoal. “O governo não está se baseando em teorias esdrúxulas. Está se baseando em ciência. Em 198 países é proibido plantar maconha. Todos são malvados? É a experiência da vida.”

Osmar Terra, 69 anos, foi ministro do Desenvolvimento Social na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Antes, como deputado federal, propôs o projeto que se tornou nova política nacional de drogas, sancionado por Jair Bolsonaro. O texto facilita a internação involuntária de dependentes químicos e fortalece o papel das comunidades terapêuticas.

Abaixo, os principais trechos da entrevista do ministro Osmar Terra ao JOTA:

O que acha da proposta da Anvisa sobre plantio de cannabis para produção de medicamentos e até onde o governo irá agir?

Acho que é uma proposta muito perigosa. Acho que é uma irresponsabilidade da Anvisa. De toda a direção da Anvisa, começando pelo presidente.

O cara [presidente da Anvisa] tomou a iniciativa sem ouvir ninguém do governo. Mal ou bem é uma agência do governo. O presidente [Bolsonaro] já se manifestou contra. O ministro Mandetta [da Saúde] está chamando entidades que já se manifestaram contra para ouvi-las, para se posicionar. E vai ter de ter uma forma jurídica, estou estudando ainda, para bloquear a discussão na Anvisa, parar de alguma forma. Porque ela está contrariando a lei. Não tem nenhuma lei que diz para fazer essa regulação. E o plantio de drogas, como a maconha, é proibido por lei. Está escrito.

Vamos plantar papoula agora, porque a morfina vem da heroína? Não tem sentido. Vamos plantar cocaína porque tem a lidocaína? Ninguém fala dos danos da droga, do risco de piorar a epidemia [de dependência química].

Não existe nenhum propósito em plantar maconha para descobrir propriedades medicinais. Toda a propriedade medicinal, que ainda está em estudo, está restrita ao canabidiol. E o canabidiol hoje já tem avanços técnicos que permitem fazer ele de forma sintética, com efeito até mais forte.

[O plantio] ainda passa a ideia para os jovens que a maconha é medicinal. Não é remédio. O período crítico, de maior risco de formar dependência, é de 14 a 18 anos, período em que o cérebro está se reorganizando.

Se a Anvisa regulamentar o plantio, caberia interferir na estrutura da agência, como pode ocorrer com a Ancine?

Pode ter ação judicial. Pode até acabar a Anvisa, sei lá, entendeu? A Anvisa está enfrentando o governo. É um órgão do governo enfrentando o governo. Não tem sentido. E o governo não está se baseando em teorias esdrúxulas, está se baseando em ciência. Em 198 países do mundo é proibido plantar maconha. Todos são malvados? É a experiência da vida.

A proposta da Anvisa é plantar numa espécie de bunker, com janelas e portas duplas, vigiado. E se houver desvio, em tese, a empresa perde a possibilidade de plantar…

Ah, é? E quem vai controlar isso? Quem vai controlar o tamanho da plantação. Quem vai controlar se está vendendo? Perde o controle. Onde é que a Anvisa fiscaliza alguma coisa com eficiência? Isso aí abre a porta da legalização.

Você afirma que os diretores da Anvisa querem liberar a maconha de maneira irrestrita…

Sim, é um movimento pró-liberação da maconha que o William Dib [presidente da Anvisa] é um dos caras que está liderando. Passou a liderar.

Mas, avaliando o perfil dos diretores, foram todos indicados no governo do Michel Temer. São todos, em tese, de um governo conservador. Por que iriam querer fazer isso?

Tinha gente no governo do Temer que era pró-liberação da maconha. Eu era contra. Mas neste governo [de Jair Bolsonaro], não. Tem uma posição mais clara.

Não é grave falar que o presidente da Anvisa tem essa posição, sobre querer liberar, na verdade, a maconha recreativa?

Pelo discurso que vi dele na comissão do Senado, é um discurso pró-liberação.

A prova seria o discurso ou o sr. tem mais algum indício?

Ele tá pró-droga. É a turma pró-droga. A Fiocruz é pró-droga. É um movimento que tem muito dinheiro. No caso da Anvisa, não posso dizer isso. Mas a Fiocruz é bancada com dinheiro da Open Society. Faz pesquisa com estes recursos. É a organização pró-droga, que prega a liberação no mundo.

O sr. acha que há ilegalidade nisso?

Ele pode defender. Agora, usar estrutura do estado para promover plantio, é uma coisa grave.

No governo Bolsonaro há alguma chance de ser regulamentado o plantio de cannabis no Brasil? 

Não.

O governo vai até o fim [contra a proposta]? Pode, inclusive, como você falou, acabar a Anvisa. 

O que tem de mudar é a ideologia, a turma que tá lá é do governo da Dilma, a maioria…

Todos passaram pelo governo Temer [foram indicados ou reconduzidos na gestão do ex-presidente].

Um…

Todos.

Que seja. Eles estão equivocados. O Dib já acho que está comprometido com o movimento. A proposta é equivocada. E, como tal, tem de ser enfrentada pelo governo, que não concorda com ela.

Senão não adianta fazer lei. Não adianta ter Congresso, governo, se quatro caras da Anvisa promovem a liberação das drogas. Nomeados ainda pelo governo.

Não tem problema de esse movimento do governo fragilizar a Anvisa e causar um problema de regulação sanitária ou no mercado do agronegócio?

A questão da Anvisa é o fato de colocar em audiência pública esse negócio. Isso que fragiliza a Anvisa. A Anvisa tem muita coisa para fazer que não está fazendo, está atrasada. Preocupação principal agora da Anvisa é liberar a maconha, o que é isso?

Quando o medicamento sintético estiver no mercado, o sr. acha que será desnecessário o registro de outros produtos, extraídos da planta? 

O medicamento sintético abole qualquer necessidade do produto [à base da planta de cannabis]. Onde estamos plantando a papoula? A morfina é sintética. Estou te dando um exemplo. Não precisa plantar.

A Prati-Donaduzzi [empresa que teve reunião com Terra] tem dois produtos em elaboração, um de canabidiol isolado, feito do extrato de um derivado da cannabis, e outro sintético, que está em fase anterior…

Mas não planta maconha.

Mas importa. 

Eles estão usando o canabidiol extraído da planta para fazer estudo comparativo com a droga sintética. Montaram a molécula da droga. Agora, na medida que tiver o sintético, acaba o outro, com plantio do canabidiol.

Mas pode levar alguns anos para chegar no mercado. 

Já estão em fase de teste em animais.

O que estamos dizendo é que não deve passar a ideia de plantar maconha no Brasil e passar ideia que maconha é medicinal.

Hoje o Brasil já tem um produto com canabidiol registrado, o Mevatyl. Mas ele também tem THC. E o medicamento passou por pesquisa clínica para ser registrado.

Isso é um dano [conter THC]. Por isso é importante evoluir para a droga sintética.

Os benefícios clínicos do Mevatyl, segundo a bula, ocorrem na interação entre canabidiol e THC. 

O que a Anvisa propôs, e dei apoio, é que fizesse medicamento à base de canabidiol. Aí, sem explicar nada a ninguém, já veio um [medicamento] com THC. Causa dependência. Aí vem as mães de pacientes com Síndrome de Dravet… e elas têm de ir até o fim do mundo mesmo para tratar os filhos, mas tem de fazer ciência. Buscar um sintético. Não é sair fazendo plantio de cara.

Os caras que querem liberar a maconha se escondem atrás do desespero das mães, que não chegam a 1.000 no Brasil, com Síndrome de Dravet. É raríssimo.

Eu já falei [para as mães], o governo vai fazer tudo para ter o tratamento para o filho de vocês. Mas um tratamento que não cause mais dano do que benefício. Senão terei de trazer aqui as mães que perderam o filho pra droga. São milhões. Este é o efeito do THC.

Na sua leitura, o medicamento que já está registrado [Mevatyl] traz malefícios?

Onde tem THC, traz malefício.

O medicamento também está registrado nos EUA, Israel, Canadá. 

Tem de estar puro o canabidiol. Quando estiver com THC, é a droga que causa dependência.

O sr. não acredita no efeito comitiva [interação entre canabinóides]?

Não. Tem de ser puro.

Acha que o produto deve ser retirado do mercado?

Imagino que quando tiver o canabidiol sintético isso tem de ser banido. Até tem de se discutir, obrigar a Anvisa, a indústria, a tirar o THC. Dá para tirar o THC. Estão colocando de contrabando, de propósito.

O Mevatyl está registrado em vários países. Todos os países estão errados?

Estão errados. Estão errados.

Então o Brasil está na vanguarda? 

Vamos falar claramente. Pergunta pra quem pesquisa no mundo. Para quem vive lá na ponta, quem trata o dependente químico. Essas pessoas têm de ser ouvidas, não é o filósofo da esquina, que leu Foucault, achou que é lindo e quer legalizar tudo. Acho que a pessoa pode fumar maconha, plantar, fazer o que quiser. Se morar sozinha numa ilha. E tiver de se virar sozinha. Mas quando faz isso socialmente, ela se prejudica. E prejudica quem está na volta dela. Conheço vários casos, tive até na família. Gente que era brilhante, genial, virou um zumbi. Fumando só maconha, não fumando outras drogas.

Não pode soar que o governo está advogando para uma empresa ao defender o produto sintético?

A questão não é essa. Qualquer empresa que estiver desenvolvendo o sintético vai ter apoio. Se não desenvolver, tudo bem. Acho pior o governo estar advogando pela liberação da maconha. Com que interesses? Que interesses estão por trás da liberação da maconha? A dependência cria um cliente eterno.

Pega ali, no Colorado, no Canadá, tu vê bilhões de reais investidos, prevendo ‘lucro de tanto, imposto de tanto’ no plantio da maconha, isso é muitíssimo mais grave do que dizer que uma empresa está sintetizando o canabidiol. Quero que coloque isso [na entrevista], senão vai sair a notícia que estou a favor de uma empresa.

A Anvisa diz que mais de dez empresas já foram atrás dela para entender o cenário regulatório, para, em tese produzir medicamentos.

Estão fazendo lobby. Lobby aberto pelo plantio de maconha. Eu participei de um debate no CFM [Conselho Federal de Medicina], tinha três ou quatro lobistas de empresas canadenses, americanas, pedindo pra liberar o plantio. Tem muito dinheiro em jogo.

Há interesse de grandes farmacêuticas na produção de medicamentos à base da planta. O sr. acha que esse mercado, inclusive de produtos com THC, não existe? Que é apenas voltado para a liberação da maconha recreativa?

Acho que a base é a liberação da maconha. A maconha não é remédio. Nem o canabidiol tem a pesquisa completa. Não pode se justificar a liberação. Tudo começa assim. Eu tenho vídeos, se você quiser, dos caras do movimento de liberação da maconha dizendo “temos de primeiro fazer a liberação da maconha medicinal. Aí nós temos o apoio das mães que estão desesperadas. Depois a gente pede para descriminalizar o uso das drogas, depois liberar maconha recreativa”. O que aconteceu na Califórnia… depois vamos chegar na liberação de todas as drogas, porque tem de deixar o mercado regulado.

Isso está em editorial da Folha de S. Paulo de 29 de junho de 2011 [o editorial foi publicado em 19/06/2011 e está disponível neste link]. Explica toda essa tática. A Folha é abertamente a favor da liberação, como O Globo é… os grandes jornais são francamente favoráveis.

Não há chance de o Brasil ficar para trás num mercado que existe?

Nada, nada. Nenhuma. Os maiores pesquisadores estão aqui. E são contra a plantação. Tem de falar com quem entende. Não com filósofo, com antropólogo. Tem de falar com quem está la na ponta pesquisando. Pergunta para o [José Alexandre] Crippa [professor da USP] o que ele acha.

Há figuras conservadoras que defendem o plantio. O sr. está em contato com elas?

Isso não tem espectro ideológico. A esquerda, até por falta de proposta, está defendendo a liberação das drogas. Tem um núcleo ultraliberal, que o centro é o Cato Institute, fundado pelo Milton Friedman, que é a favor da liberação das drogas. [NR: segundo o Cato Insitute, a organização foi fundada por Ed Crane, Murray Rothbard e Charles Koch, e não por Friedman, morto em 2006, e considerado um dos pais da Escola de Chicago]. É o direito individual acima de tudo. É o conceito de liberdade que podemos discutir. Uma pessoa que não consegue trabalhar, porque está dependente de droga, o que acontece com a liberdade dela? É a sobrecarga de outro, que vai ter de produzir para ela. A liberdade de um é a escravidão de outro. Meu conceito de liberdade é mais amplo socialmente do que do Milton Friedman, que só fala na liberdade individual.

O sr. chegou a falar com Jair Bolsonaro sobre este tema? Ele manifestou algo?

A mesma ideia que a minha.

O governo chegou a falar que apoiava a importação da cannabis para produção de medicamentos.

Apoiamos o medicamento importado

A Casa Civil defendeu importação da matéria prima.

Do medicamento…

[Procurada em junho pelo JOTAa Casa Civil disse ser contra a proposta de plantio, da Anvisa, mas defendeu a importação da cannabis para a produção de terapias].

O sr. não defende importar a cannabis para a produção no Brasil?

Não. É tudo desculpa para liberar.

Esse debate não tem viés ideológico?

Não tem… vamos dizer, eu não acredito mais em direita e esquerda. Mas se tiver, a ultradireita defende a liberação. A ultraesquerda também. O PSOL defende a liberação de tudo. Agora, pergunta para quem tem problema em casa.

Não existe possibilidade de uma posição pessoal ou do conservadorismo do governo prejudicar um debate de saúde pública?

Nenhum. Nenhum. Zero. O dano que vai causar a liberação do plantio da maconha no Brasil é infinitamente maior do que a discussão se vai ter THC, se tem de retirar o THC do medicamento.


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